segunda-feira, novembro 15, 2010

"Once"



Ele, um barbado, ruivo e talentoso que canta na ruas de Dublin, acompanhado de seu violão desgastado, amealhando uns trocados. Auxilia seu pai numa biboca onde consertam aspiradores de pó e está separado da mulher infiel, inspiração de suas românticas composições.

Ela, uma jovem carismática, que ganha a vida vendendo flores e fazendo faxina. Tem uma filha pequena, vive com a mãe numa casa modesta, onde sala de estar, jantar e cozinha se confundem. Está separada do marido, que o filme dá pistas de ser insensível à mulher. Talentosa ao piano, ocasionalmente, toca num instrumento emprestado e também canta.

Ambos, pobres de marré, com seus figurinos simplórios, encontram-se nas ruas de Dublin, quando ela para, prestando atenção à interpretação emocionada dele, que sem platéia, desabrocha (no bom sentido) no sereno, ao cair da noite, dando voz às suas próprias composições.

É evidente a resistência dele em dá-la ouvidos, pois amarga a ausência de sua amada, por quem ainda suspira, porém, com o tempo, eles acabam estreitando laços, descobrindo afinidades, integrando-se um à vida do outro.

Ah tá, o desfecho dos fatos é previsível então, eles acabam “se pegando”, juntando os trapos e vivendo felizes para sempre. Errado!
A partir do encontro dessas duas pessoas cujas carências, talento e desencontros amorosos são comuns, você assiste uma frágil mulher extrair da lama um homem abatido e desacreditado.
Ela o estimula, toma as iniciativas que poderão projetá-lo além da sua vidinha sem perspectivas, assim como age aquele tipo de pessoa escasso, que generosamente, faz as vezes de escada para que outros atinjam algum tipo de evolução.

Ah, mas que brega! Isso é uma visão obsoleta e romântica demais, desprovida de senso prático, talvez um pouco humilhante, digna de um mártir, vamos deixar de dramas!
Será mesmo? Hoje, somos bombardeados por todos os lados com pressão por resultados rápidos e lucrativos.
Seja o melhor, o mais esperto, ganancioso, sagaz, sabido, letrado, viajado, endinheirado, frio, indiferente aos problemas alheios, enfim...
Será o capitalismo? Será Darwin e os tentáculos da sua Teoria da Evolução? Será a modernidade, ou talvez a introdução de um novo estilo de vida, de uma nova filosofia, o novo egocentrismo?!

Para onde olho vejo pessoas desesperadas correndo contra o tempo (que nunca lhes é suficiente), em busca de acumular toda a sorte de bens e resultados, sejam eles materiais ou abstratos, ao passo que adquirem, concomitantemente, mazelas do corpo e da “alma”.
Cada vez mais doenças físicas e psicológicas; os “mais fracos” sendo deixados pelo caminho em profusão, marginalizados, e um contingente vertiginoso de humanos prestes a se tornarem robôs, ávidos por recompensa, interesseiros, dispostos apenas àquilo que lhes proporcione algum beneficio, e que facilmente seja descartado quando não mais servir a seu propósito adequadamente.

Vejo tantas pessoas perdidas, vazias, ocas, mas com um sorriso na cara, fruto de prazeres efêmeros que não tardarão a deixar de surtir efeito.

Afinal, onde estão os verdadeiros valores que constroem um homem? Descapitalizados? Falidos?

Em “Once”, dirigido por John Carney, a mulher resgata o artista obscuro, sua auto-estima e seus sonhos, para em seguida, despretenciosamente, assistir ao seu vôo solitário, saudosa.

Eles tinham tudo para dar certo juntos, todos os ingredientes, mas, assim como na “vida real”, os humanos são complexos demais, tortuosos por natureza, desencontrados, e não raro, movidos por motivações arriscadas.

A música é linda, parte da trilha sonora, e ao que parece, eles se apresentaram com o mesmo figurino das gravações, embora, conforme comentários alheios, Letterman não tenha demonstrado sensibilidade para extrair dos atores sobre suas experiências em "Once" - procurei web afora detalhes sobre a entrevista, que desafortunadamente, parecem ser escassos. Uma pena...O filme é "despretensioso", mas superou minhas expectativas; confesso que fiquei emocionada - talvez por um "Q" de identificação com o desencontro dos protagonistas.
Anexado à minha lista de favoritos, sem mencionar a trilha sonora - capítulo à parte.

3 comentários:

Mônica disse...

Pois é... eu prefiro filmes que nos mostram as coisas como elas são na realidade, sem finais felizes forçados e convencionais porque na vida a gente precisa abrir mão de muitas coisas em prol do outro. Isso, claro, se falarmos de pessoas que não deixam se dominar pelo sentimento de posse, pelo egoísmo e outros sentimentos pequenos, alegando ser em nome do amor.

Adorei a música.

Bjs

Lou disse...

Quem é vivo sempre aparece!
Nunca ouvi falar desse filme...

Mônica disse...

Ha ha ha! Vc que não entendeu o meu comentário. Perguntei pq vc não tinha ido com ela só de onda pq sei que vc tem vontade de fazer essas viagens. Percebi que era piada sua.